segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Entrevista para o Anima Mundi

 Guida foi a grande vencedora do Anima Mundi 2014, levando 5 prêmios de uma só vez! E nesse final de semana saiu uma entrevista super legal no site deles, falando bastante sobre o projeto e sobre a carreira da criadora.

Confira!

Lembra da super animadora que ganhou cinco importantíssimos prêmios no Anima Mundi 2014? Ela mesmo, Rosana Urbes! A criadora de Guida, que fez muito sucesso por aqui, deu uma entrevista muito bacana pra gente. Então, sem mais delongas, que tal conhecer mais sobre o seu trabalho através das palavras da própria artista?
No Anima Mundi 2014, Guida ganhou Melhor Curta Brasileiro pelos Júris Populares paulista e carioca, Melhor Curta-Metragem entre os paulistanos, o Prêmio Canal Brasil e o Prêmio BNDES

“Guida” tem uma história bela e inspiradora. Conte-nos um pouco sobre os significados dessa transformação de vida pela qual a personagem passa.
O filme fala de realizar sonhos, tardiamente, pela tangente, abrindo um novo caminho, deixando que a vida participe dessa realização.
A Guida tem um mundo interior absolutamente sonhador e sua realidade não reflete esse mundo. A estória do filme (pra mim) é essa: encontrar um caminho para partilhar com o outro o que é sutil e encantado no nosso mundo interior.

“Guida” é um tanto diferente de seus trabalhos anteriores. De onde veio a inspiração para essa linda história?
Quando comecei a trabalhar com animação rabisquei poses de uma senhorinha dançante. Ela era bem diferente de agora: gordinha e tocava pandeiro. Lembro de olhar pra ela, decidir o nome, e escrever na folha dos rabiscos: Dona Guida.
Passou muito tempo até o Jonas Brandão me perguntar se eu tinha um projeto para apresentar num edital de animação. Em 3 dias, escrevi o primeiro roteiro da Guida e ele me ajudou a formatar o projeto. Não rolou. Depois de um ano, com o Thiago Minamisawa e o Bruno Castro, revisamos o projeto e ganhamos o prêmio Estímulo. Nesse tempo a estória era bem diferente: Guida tinha um interesse romântico, Seu Roberval, e os dois terminavam juntos, num Baile da Saudade.
Eu gosto muito dessa versão e sofri para desistir dela, mas esse filme era da Guida. E ela, pouco a pouco, me mostrou isso.
“Guida é uma sonhadora fora de lugar. É muito difícil viver uma vida de sonho, criativa, porque tem um massacre no dia a dia das coisas práticas”

Os desenhos à lápis e em aquarela foram com certeza muito importantes para a criação de “Guida”. Conte-nos um pouco sobre sua experiência com estas técnicas.
Trabalhando com animação, passei a fazer muitas sessões de modelo-vivo. Nessas sessões encontrei meu desenho. Percebi que me interessava investigar a vida em traço. Gosto de desenhar gente, bicho, planta. Não gosto de desenhar carros nem cadeiras. Meu desenho é orgânico, sinuoso, assimétrico…O rascunho que deixa rastro da procura no papel, que toma corpo enquanto se desenha, como planta, que se forma enquanto cresce. A aquarela é minha escolha em pintura, pelas mesmas razões.
A Guida fala de vida. A técnica de animação tinha que ser viva também. Era preciso ter o papel, grafite, tinta, o rastro da dúvida. A Guida tinha que ser feita no mundo de verdade.
Rosana Urbes diz que é no rascunho que a magia da animação acontece

Quanto tempo o filme demorou para ser concluído e qual foi o maior desafio durante o processo?
Desde o começo da produção do filme foram 3 anos. A verba do edital não comportava um projeto como Guida. O filme saiu graças, claro, a esse apoio inicial, mas certamente por paixão e doação de todos os envolvidos no processo, que estão nos créditos do filme.  Os últimos meses foram os mais difíceis. Não tínhamos mais verba e eu desisti de tentar fusões e resolvi intervalar o filme todo. Faltava um terço e, nesse período, a equipe éramos eu e a Belisa Proença, a produtora firme e fiel. Falei pra ela: Preciso de ajuda! – Usamos parte do dinheiro reservado para a cópia em 35mm e chamamos alguns amigos para o fôlego final. Minha irmã Luzia Urbes, segurou a bronca de intervalar e animar partes dos devaneios finais, que são cenas com, sei lá, quinhentos desenhos, mais ou menos.

Você foi a primeira mulher a ganhar Melhor Curta-Metragem no Anima Mundi! Como você sente o mercado de animação para profissionais do sexo feminino?
Por muitos anos trabalhei em estúdios onde eu era a única mulher. Isso começou a mudar, aqui no Brasil, muito recentemente. Esse ano, no Anima Mundi, tivemos vários filmes de diretoras. Nas oficinas de animação que desenvolvemos no estúdio tem muitas meninas. A mudança no cenário envolvendo maior participação de mulheres está acontecendo, para o bem de todos nós.

Deu pra sentir sua emoção na hora de receber os prêmios no palco. O que essa conquista representa pra você?
Significa bem mais do que eu vou conseguir contar aqui. O curta-metragem é sonho que moldamos para poder partilhar. Importa muito que ele chegue até as pessoas. E o Anima Mundi é essa grande casa da partilha. Ele é fundamental para o florescer que vemos hoje na animação brasileira.
Fiquei fora do Brasil 8 anos, trabalhando em grandes produções de animação. Foi uma oportunidade incrível e de muito aprendizado. Fui quando não tinha quase nada  em animação acontecendo aqui (eu estava trabalhando com pesquisa), mas saí sabendo que eu ia voltar. Eu acredito no Brasil, escolhi nascer aqui. Naquele momento, pensei que o caminho seria ir, aprender, participar de produções que têm história e que investem muito em animação. E voltar.
O sonho era ver a animação brasileira encontrar seu caminho,  a produção crescer, o Anima Mundi seguir forte, e eu ser parte disso. Quando ouvi a Aida Queiroz dizer “Guida” no palco do Anima Mundi, entendi, naquele momento, que tinha acontecido. E foi melhor que o sonho.
Quando ganhou o prêmio de Melhor Curta-Metragem, Rosana Urbes chamou todos os que ajudaram no processo para o palco!

Você é certamente uma grande influência para muitos animadores. Mas que obras e artistas servem de inspiração para você?
Sou cinéfila: Ví tudo de Bergman, Fellini, Tarkovski, Kurosawa… Assisti muito Lanterna Mágica e os filmes do National Film Board. Tinha uma coleção de livros sobre filmes russos e europeus mostrando fotos de curtas que eu nem cheguei a ver, mas imaginava estórias para eles. Vi os filmes dos estúdios Ghibli,  (Miyazaki e Takahata), muitas vezes. Especialmente Princesa Mononoke, que me fez ver bem claro o quanto animação é cinema. Foi um alívio descobrir a ilustradora Lisbeth Zwerger. Olho livros dela sempre que vou começar a ilustrar um novo livro.  Frank Thomas e Ollie Johnston são meu favoritos dentre os grandes animadores Disney, por seu trabalho com atuação de personagem. Posso falar horas de influências. Meu trabalho existe movido a influências.

Você é uma profissional super renomada pelo mundo inteiro. Você tem alguma dica para os novos animadores brasileiros?
Você precisa saber se você gosta mesmo de fazer animação, o que é diferente de gostar de animação. Por exemplo: Eu queria ser pianista, mas quando comecei a estudar, percebi que eu não queria saber os nomes das notas, nem dividir a música em tempos contáveis. eu queria navegar no fascínio irracional dos sons. Hoje tenho um piano só pra inventar combinações de sons. Sou fã de piano, mas não sou pianista.
Na animação são muitas horas e dias e tempos de recolhimento pra moldar algo que ainda está se formando na sua imaginação. Tem que ter uma certa vocação monástica, gostar do processo também. A partir disso, de gostar, o envolvimento acontece e o próprio trabalho encontra seus caminhos para se desenvolver.
Rosana Urbes já trabalhou em muitas grandes produções, como Lilo & Stich, Mulan, Tarzan, Encantada e Asterix

“Guida” foi seu primeiro filme autoral. Com esse resultado incrível e todo o sucesso que fez, você já sabe se pretende continuar criando seus próprios filmes?
Fazer filmes é o que eu quero desde o começo, mas precisei criar coragem. Agora, a coragem está criada.
Tenho estórias, ainda verdes, que eu espero que amadureçam em filmes animados.

E pra finalizar, a nossa pergunta clássica. Qual é o seu sonho?
É a promessa de Guida: em sonho e poesia, o encontro com o outro.

Recebendo o prêmio por Melhor Curta-Metragem no Anima Mundi 2014


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